Artigo: o Tempo-Interior

Muitas vezes quando encontramos conhecidos, parentes distantes ou pessoas queridas com quem não temos contato frequente, é comum perguntarem se ainda estamos trabalhando no interior. Ainda.
Nos primeiros meses, ou anos, em que escutei essa pergunta, nem sempre me dava conta do porquê ela era feita. No entanto, com o passar do tempo, comecei a refletir sobre isso.
Era como se ficar por muitos anos no interior não fosse natural, não fosse desejável ou que pessoas “de uma determinada classe social” não pudessem almejar outro estilo de vida que não fosse aquele das grandes cidades.
Durante muito tempo tive que explicar que, em certos aspectos, a vida no interior é muito mais satisfatória justamente porque nos leva a viver fora da nossa bolha de classe média, porque nos leva a caminhar muito mais do que em Manaus, onde para fazer nossas atividades é comum utilizarmos um carro.
Porque se toma mais sol, se come frutas e peixes mais frescos, porque é possível sair de casa pela manhã, resolver várias coisas no Centro da cidade, ir ao banco, à drogaria, ao mercado, à feira e à loja de eletrodomésticos e estar de volta em casa em menos de uma hora. E tudo isso a pé!
Quando digo que gosto de trabalhar e morar no interior e que não penso em sair daqui por muitos anos, a reação de muitas pessoas é de surpresa, ou… descrença! Os moradores das grandes cidades até percebem que vivem aceleradas, que estão sempre agoniadas, atrasadas para alguma coisa. Sem tempo, irmão!
Reclamam do trânsito e do calor de Manaus, uma cidade onde a vida se espreme entre o asfalto e o concreto, onde as árvores e o rio são mais cenários do que ambiente. No entanto, nem sempre essas pessoas se dão conta de que não é necessário viver dessa maneira.
Confrontado com os argumentos da falta de estrutura urbana ou de opções de lazer, explico que sinto falta sim, de opções de restaurantes, mas também que existe muita comida boa no interior e se nem sempre saímos para comer fora, fazemos muito mais nossa própria comida em casa, nos aventuramos desenvolvendo novas habilidades culinárias, e que a maior diversão é simplesmente reunir os amigos, jogar jogos de tabuleiro ou conversa fora.
Que não faltam festas, ainda que a variedade de estilos musicais não seja tão grande quanto em Manaus, mas procurando-se, acha-se de tudo no interior.
Além de tudo o que foi citado até o momento, o que mais me encanta e atrai na vida no interior é o tempo mais lento, a diminuição da ansiedade.
A falta de pressa que vai se instalando aos poucos, até se tornar um novo normal, para quem se abre a essa experiência. É esse tempo mais lento que nos permite olhar pela janela e apenas observar o sol, o vento, o balanço das folhas, das árvores e nos perceber parte disso, não um observador externo.
Nos percebemos pequeninos e, ainda assim, parte integrante da dança dos átomos de carbono que chamamos vida. Por isso, amigas e amigos, por conta do tempo do interior, do que chamo de Tempo-Interior, podemos (re)descobrir nosso próprio Tempo Interior.
Macário Carvalho Júnior é professor do Centro de Estudos Superiores de Tefé, Mestre em História pela UFAM, trabalha com conflitos político-religiosos na transição da Antiguidade para a Idade Média.